Fez-se um céu negro de repente, caiu granizo e ventou. Ficou tudo branco, gelado, frio, de arrepiar...
Dois passarinhos tinham parado de cantar na árvore da frente.
Ficaram encolhidos, um juntinho ao outro, escondiam-se do mau tempo no meio do entrelaçado dos ramos da árvore.
Fiquei a vê-los da janela enquanto o céu despejava calhaus de gelo...
Eram tão lindos os passarinhos! Seriam um casal? Que pena vê-los assim tão vulneráveis quando cantavam tão bem ainda há pouquinho!
Seria a casa deles aquela árvore? Ou só vinham passear e ali pousaram?
O granizo parou, deu lugar a bátegas de água incessantes, que faziam rios no meio das pedras de gelo.
A água do beiral parecia querer furar o chão que tinha debaixo de si.
O vento agitou a árvore já despenteada pela chuva. Deixei de ver os passarinhos, enquanto a chuva dobrava de intensidade. Estariam mais escondidos? Caídos no chão?
O canto do telefone assustou-me, entretanto. Fui atende-lo, trouxe-o para a janela e fui respondendo a um inquérito algo maçador. Costumo fazê-lo com gosto sempre imaginando que estou a ajudar quem me liga porque foi o trabalho que arranjou...
Mas aquele inquérito depressa começou a incomodar a minha paciência. Fui respondendo quase à toa e contrafeita, quando me animei por avistar de novo os passarinhos. Ah, tinham-se escondido melhor! E conforme a chuva mingou e até parar foram abrindo as asas, sacudindo as penas e dando saltinhos de ramo em ramo. "Olá passarinhos!" "Ainda bem que estão aí!" "Estou feliz por estarem bem!"
Os meus pensamentos atrapalharam um pouco as respostas ao inquérito, o meu interlocutor repetiu duas vezes a mesma pergunta. Respondi que não sabia, sem querer pensar mais na resposta. Ele insistiu, não satisfeito. Então?! Eu não podia não saber?
Num esforço de concentração procurei justificar-me a mim própria. Sim, estavam a incomodar-me mas eu costumava responder a tudo, só para ser gentil, só para me sentir útil a quem só conseguira aquele tipo de trabalho! Mas o meu interlocutor falou-me de distrações, maçou-me com repetições, moeu-me a minha paciência, deixou-se de gentilezas, começou a acelerar as perguntas, privou-me do tempo de pensar nas respostas e mudou o tom de voz radiofónico para um mais expedito na vã tentativa de terminar o inquérito.
O Sol foi rompendo em entremeios de nuvens negras. Fez brilhar o chão molhado. Deu mais cor ao mundo, tingido de branco pelo granizo.
Os passarinhos voaram para onde lhes apeteceu e a voz incomodativa daquele interminável inquérito deixou de me aborrecer porque se quebrou a ligação.
Minutos volvidos torna a cantar o telefone. Hesito. Atendo... Não atendo...
Atendi. E aquela voz maçadora tem o desplante de se queixar de que eu tinha desligado!
A raiva ou fúria ou sei lá que era não me deixou falar. Emudecida, fiquei de repente contente da vida quando vi que os passarinhos voltavam para a árvore. Sorri comigo própria e desliguei o telefone.